Por que você deveria entender as direitas

A percepção de homogeneidade dos atores desse espectro político mascara diversidades de pensamento

Carlos Aquino
3 min readApr 3, 2021

“Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar voto, nós
vamos ter problemas piores do que os Estados Unidos
, disse o presidente Jair Bolsonaro no dia 7 de janeiro deste ano, fazendo referência a invasão do Capitólio por apoiadores do então presidente Donald Trump.

Essa não é a primeira vez que o presidente brasileiro faz comentários que colocam em cheque as regras da democracia. No cenário político, ele representa grupos autoritários e conservadores crescentes no país, que são classificados de várias formas. Essas classificações refletem a diversidade presente no campo político de direita.

O Presidente da República, Jair Bolsonaro, se preparando para pronunciamento. (Foto: Isac Nóbrega/PR)

DEFINIÇÕES

Entre os termos mais utilizados, extrema direita e direita radical se destacam no debate público brasileiro. Inclusive o primeiro atingiu seu pico de popularidade nas pesquisas do Google em outubro de 2018, mês do pleito que elegeu Jair Bolsonaro, segundo dados do Google Trends.

Para o professor de história contemporânea na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador do Observatório da Extrema Direita (OED), Odilon Caldeira Neto, a forma como essas duas categorias lidam com a democracia é o que as diferencia. “A extrema direita é aquela que quer destruir a democracia, a direita radical é aquela que quer transformar a democracia de acordo com as suas premissas”, comenta.

Odilon diz que essas formas de categorização auxiliam o entendimento
sobre os grupos analisados, pois é possível compreender suas aproximações
e distanciamentos. Já Ernesto Bohoslavsky, professor de história da América Latina na Universidad Nacional de General Sarmiento, na Argentina, não
concorda com as classificações adotadas por serem fotografias de um fenômeno dinâmico, pelo fato de ocorrerem muitas mudanças e incoerências ideológicas nesses grupos.

“Você pode achar caras que falam algo que é normalmente classificado como
extrema direita, mas talvez 15 minutos depois ele está falando uma coisa pela qual deveria ser classificado como terraplanista”, afirma o professor.

BRASIL

Desde o começo da década de 2010 é possível notar a grande ascensão dessas
direitas no país, algo refletido nos indicadores eleitorais e de filiação. Pelos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com as eleições municipais de 2020, o PSL, importante expoente desse fenômeno e partido de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018, triplicou seu número de prefeituras em relação a 2016. Até setembro do ano passado, a legenda cresceu 60% em comparação com 2019, indo de 271,1 mil para 435,8 mil filiados. Esse movimento também aconteceu com outros partidos de mesma matriz ideológica.

Quem saiu perdendo foram os partidos tradicionais de direita, como MDB e PSDB, que diminuíram o número de prefeitura e de filiados. Para Odilon, o crescimento dessas novas direitas e a perda de força da tradicional não pode ser explicado por um único fator. Mas se destacam “as crises econômicas, éticas e de popularidade relacionadas aos governos progressistas no Brasil, algo que acaba sendo um combustível para este caldo cultural, que é internacional, mas adquire uma viabilidade política mais intensa no caso brasileiro”.

O presidente Jair Bolsonaro em manifestação de apoiadores de seu governo na capital federal e em outras cidades do país em (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

AMÉRICA LATINA

O mesmo fenômeno acontece com as direitas latino-americanas, que souberam trabalhar muito bem seus discursos, principalmente em questões mais sensíveis para a população. Bohoslavsky comenta que entre as características em comum desses países estão o uso do comunismo como inimigo público, o frequente apelo às forças armadas, o papel da religião e as relações mantidas com os Estados Unidos.

Outro fator com grande relevância é a forma eficiente como as direitas
conseguem se comunicar com pessoas, sobretudo os mais jovens, por meio das redes sociais. A partir dessa proximidade e da falta de destreza da esquerda, o discurso mais apelativo para o contexto social ganha aderência, como o tema da Segurança Pública. “Claramente, a direita foi capaz de escutar demandas as quais a esquerda não conseguiu responder e nem falar nada inteligente”, conclui Bohoslavsky.

Presidente Jair Bolsonaro em oração coletiva com líderes religiosos. (Foto: Alan Santos/PR)

Matéria de 3/2/2021.

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